AMIGOS de ANDRÉ MUSTAFÁ

sexta-feira, 30 de março de 2018

A ARTE PENSANDO PRATICAS AFRO-BRASILEIRA PARA ADOLESCENTES

O ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no Brasil sempre foi lembrado nas aulas de História com o tema da escravidão negra africana. A Lei 10.639/03, alterada pela Lei 11.645/08, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio. Mas a questão é como fazer isso com os alunos se os professores não tem referências, bases solidas, que não estejam cheias de pre-conceitos de orientadores empobrecidos ou cartilhas taxativas sobre cultura afro-brasileira. Esse é uma questão. Não se pode despertar nos alunos ou educandos se os professores não estão despertos! Acordados e cientes da importância.


 A segunda coisa é como fazer esse despertar com arte!? Segundo (DEWEY, 1979) trabalhar através de vivências em Arte Educação pode-se acrescentar o repertório cultural e identitário dos alunos no espaço educacional. Para John Dewey, a compreensão da experiência estética verdadeira passa pela consideração de seu "estado bruto" quanto às formas de ver e ouvir como geradoras de atenção e interesse, e que podem ocorrer (por exemplo) tanto a uma dona de casa regando as plantas do jardim quanto a alguém que observa as chamas crepitantes em uma lareira. A arte se faz necessária, prazerosa e desejante. Esse prazer e a satisfação envolvidos nesta experiência, cujo impulso é dado pelo próprio contexto no qual se insere o indivíduo é preciso ser considerado.

Dewey chama a atenção para a possibilidade de se considerar que, nas sociedades antigas, as "artes do drama, da música, da pintura e da arquitetura" não eram manifestações que habitavam teatros, galerias e museus. Antes, participavam da vida coletiva, ligando-se organicamente umas às outras - a pintura e a escultura com a arquitetura, por exemplo, a música e o canto com os ritos e cerimônias da vida de determinado grupo. Então temos uma outra questão para aglutinar-se a primeira: Como a Arte pode criar dispositivos sensoriais que ajudem a uma fruição criativa e critica na vida de crianças, adolescentes e adultos brasileiros (especificamente) em uma espaço como a ESCOLA que mais parecem presídios? E mais como então pensarmos a escola do século XXI?




Com vasta experiência em arquitetura educacional e ambientes para aprendizagem, Frank Locker afirma que estamos nos limitando a replicar, literalmente, o modelo espacial das prisões, sem interesse algum em estimular uma formação integral, flexível e versátil. A comparação com a prisão não é exagero. "Com que espaço você relacionaria uma fila de salões de porta fechada com um corredor no qual não se pode estar sem permissão e um sinal sonoro que ordena entrar, sair, terminar ou começar as aulas?", questiona Locker. Então, em plena era da informação (mais correto do que falar de uma era do conhecimento), os cidadãos exigem diferentes mudanças nos seus modelos educativos e em diferentes velocidades para diferentes sociedades e idiossincrasias. Locker adverte que "em algumas culturas espera-se que se tenha medo do professor e este tipo de infraestrutura contribui para apoiar essa filosofia pedagógica"


De fato não estava errado no inicio desse artigo quando mencionava professores, mal preparados e desestimulados. Agora temos (e isso é em quase todo o mundo) o regime e filosofia ditatorial e autoritária sendo transmitida de forma silenciosa para nossas crianças e adolescentes (principalmente eles), criando muros entre professores e alunos ou educadores e educandos. Não é necessário indagar-se muito para respaldar essa ideia: relembremos a distribuição das mesas e cadeiras nos nossos colégios e o professor como fonte inatacável e impecável do conhecimento. Essa distribuição de mesas e cadeiras, uma na frente da outra só me faz acredita no mito da Caverna de Platão. O mito fala sobre prisioneiros (desde o nascimento) que vivem presos em correntes numa caverna e que passam todo tempo olhando para a parede do fundo que é iluminada pela luz gerada por uma fogueira. Nesta parede são projetadas sombras de estátuas representando pessoas, animais, plantas e objetos, mostrando cenas e situações do dia-a-dia. Os prisioneiros ficam dando nomes às imagens (sombras), analisando e julgando as situações. A escola atual é uma grande caverna.




Estamos no século XXI, em plena idade da informação e o professor deixa de ser o dono do conhecimento. Com novas gerações formadas e alimentadas através dos múltiplos canais que oferece a internet, seu papel deve ser o guia que facilita e orienta os alunos a criar seu próprio conhecimento. E claro, essa mudança de paradigma sobre o papel do professor possui repercussões espaciais. Locker reconhece: 


"Estes salões fechados (as escolas), retangulares e isolados funcionam muito bem para esta modalidade de aprendizagem, pouco afetiva para reter conhecimento. Além disso, está centrado no docente e não no estudante e não oferece aos alunos as habilidades que necessitam para sobreviver no mundo de hoje."

Então precisarei redefinir a pergunta que fiz no começo da material, pois o mundo está mudando muito rapidamente. Refazendo a pergunta: Como fazer a Arte retirar os alunos e ou educandos (crianças e adolescentes) de dentro dessas escolas prisões, ou espaços educativos aprisionados, ou arquitetura do desencanto para vivenciarem a cultura afro-brasileira (temática especifica desse artigo); mas que se pode introduzir "N" outras temáticas. Como fazer isso, pela Arte? Eu respondo meus queridos: É preciso mudar na grade curricular do MEC e levar nossas crianças e adolescentes para as ruas, vivenciar coisas, pessoas, espaços... até que as escolas percam as paredes. Mas isso me pareceu jovialmente utópico, retornemos então a Locker.

Locker postula que as escolas devem permitir a existência de uma comunidade, "que haja espaços para grupos de estudantes de várias idades, que em um mesmo lugar possam ser realizadas atividades simultâneas e que tenham ferramentas para facilitar a aprendizagem ativa", onde "os estudantes deixem de ser anônimos, evitando assim problemas de convivência. São lugares onde o diretor e os professores realmente conhecem seus alunos". As salas são de forma circular, tendo ferramentas para facilitar a aprendizagem ativa, por exemplo, móveis que favoreçam a colaboração entre alunos, com acesso a dispositivos móveis e laboratórios para projetos.

Estudantes deixando de ser ANÔNIMOS é o que a Arte precisa para mergulhar. Mas se ainda precisamos mergulhar nessa escola com arquiteturas de prisão e professores autoritários "tocando o terror na turma", como se faz importante a matéria Arte nas escolas? Estou me referindo na matéria Artes e não na disciplina Educação Artística. A arte é a forma mais pura de expressão humana e talvez por isso seja considerada Patrimônio Cultural da Humanidade. A arte é uma das expressões da manifestação cultural humana. Desde as pinturas rupestres, feitas nas cavernas por homens em eras pré-evolutivas, passando pelos jardins babilônicos; a arquitetura de grandes impérios, a pinturas e danças do extremo oriente. Já a educação artística é a transmissão de conhecimento que coloca o indivíduo em contato com a arte. Oferece assim, condições para que se possa interpretar, interagir e produzir arte e se inserir socialmente de maneira mais ampla.



Segundo as diretrizes regulares do Ministério da Educação, a educação artística fomenta que se desenvolvam o pensamento artístico e a percepção estética, de maneira que a experiência humana seja ordenada e haja sentido, a seu modo. O aluno, então, desenvolve seus sentidos, percepções e imaginação tanto na apreciação das artes, como no conhecimento das diferentes expressões em suas próprias produções artísticas e de seus colegas.

A arte é o que é produzido; a educação artística é o que é de fato ensinado. Os ensinamentos, a aprendizagem de técnicas, de conceitos, de cores, de materiais faz parte da educação artística. Os desenhos, os quadros, as esculturas de macarrão, os curtas-metragens, os quadrinhos, tudo isso é arte.

De uma maneira simplificada, se entende que: a educação artística é a transmissão do conhecimento sobre arte; a arte é o objeto, ou obra, ou forma que acabam sendo produzidos. Na aula de educação artística pode se fazer arte (ou só aprender sobre) e você pode fazer arte sem necessariamente passar por uma aula de educação artística.



Essa coisa de não precisar passar por aulas de educação artística é genial também, e é onde o Instituto Padre Haroldo abre espaço para o profissional Andre Mustafá e outros jovens artistas, arte-educadores e instrutores de arte pensarem a escola nova, que valoriza o que o ser humano já trás de sua bagem de vida emocional, estética e filosófica. De inter-relações fora da chamada sala de aula; em baixo de uma arvore, na calçada, em um corredor, dando um "rolê" pela cidade...O Instituto aposta também na cultura popular, no olhar e na visão popular daqueles que chegam pra nós, nos saberes das comunidades e dos mestres populares. 

Pode não parecer à primeira vista, mas o Instituto Padre Haroldo está buscando novas formas de se comunicar com os seus públicos e com o mundo espiritual e artístico, tem apostado bastante na contratação de artistas e arte-educadores para seu corpo de funcionário, com formações bem diversas que perpassam pelo teatro, dança, circo, percussionistas, músicos, artistas visuais e plásticos, mundo digital... E uma das pautas emergentes dentro e foram do Instituto, referente a afro-descendência tem sido pensada e articulada na rede da assistência (obviamente de forma ainda muito tímida),  mas que começa a criar um corpo e que vagarosamente vai circulando não somente nos programas com crianças e adolescentes do Instituto, mas envolvendo o espaço de reabilitação sensorial de nossos atendidos adictos. Esse caminha se deve boa parte aos arte-educadores junto a Lei Rouanet que vem abraçando e apoiando a causa do Instituto Padre Haroldo que só se transforma o mundo quando o mundo se reinventa e a reinvenção do mundo só é possível pela Arte e suas inúmeras sensibilidades.

Nossos adolescentes, crianças e adultos não participam de disciplinas e nem tão pouco vão para salas de aulas: estamos no Instituto Padre Haroldo promovendo com Esses o Encontro e é no Encontro que nós trocamos informações, dividimos saberes e sabores e nos divertimos... crescemos juntos... descobrimos juntos... estamos juntos tomando consciência do mundo ao nosso redor, pelas ferramentas que a arte nos oferece, de maneira a se expressar e permitir a vida plenamente. A arte, em certo aspecto, liberta os nossos atendidos, que não se habituam apenas a realidade de violência, mortes e miséria ou a falsa realidade de um mundo ideal que as drogas tenta revelar. A arte pode se desenvolver das maneiras mais simples, como a expressão corporal, o toque de tambores, da comida tipica... e pode fazer com que o aluno (ou atendido) tome a consciência do mundo no qual ele faz parte.

Mas não somente os educadores ou arte-educadores junto com seus "atendidos" precisam estar dispostos a mudanças através da Arte: é preciso que a Presidência do Instituto Padre Haroldo "detone" essa filosofia para outros funcionários e setores de dentro e fora do Instituto, até que reverbere novamente nas famílias (dos atendidos e dos funcionários), não pelas mãos dos artistas, educadores, arte-educadores e instrutores de arte que estão no "front" de batalha. Todos nós devemos nos comprometer a causas sociais emergentes; e uma dessas é as questões que envolve a cultura afro-brasileira. 

Quando essa TOMADA DE CONSCIÊNCIA acontecer nos nossos funcionários, famílias e atendidos (adultos adictos, crianças e adolescentes em vulnerabilidade), isso começa a tomar corpo e parceria com outras Instituições e aí sim iniciaremos a tocar afinadamente esse grande ensaio de orquestra. Cada um com seu instrumento. Daí teremos também (e não menos importante) a presença e o retorno saudável de antigos funcionários e atendidos como voluntários, conscientes dessa "marcha", que não é politica partidária, mas sim humana. O voluntariado consciente irá ajudar nessa tomada de consciência de outras juventudes necessitadas por ampliações estéticas, éticas e sinergéticas.


(Andre Mustafá, arte-educador no Instituto Padre Haroldo desde 2015 vestindo umas das camisetas pintadas pelos adolescentes atendidos nos serviços de Abrigo). 

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